Menu
in

A história do último golfinho em cativeiro do Brasil

Embora tenha se popularizado há poucos anos, o termo “pós-verdade” – quando uma crença se sobrepõe a um fato – apareceu pela primeira vez em 1992, na revista americana The Nation; as diferentes versões sobre a história do último golfinho em cativeiro do Brasil reflete a atual relativização da verdade

Em janeiro deste ano, passei alguns dias na cidade de Santos, no litoral paulista.

Foi nessa região que o Brasil manteve seu último golfinho em cativeiro – prática hoje proibida no país. Para ser mais exata, foi no Oceanário de São Vicente, que, embora geograficamente localizado na divisa com outra cidade, se funde com as lembranças santistas.

Memórias de um tempo que não volta mais – ainda bem

Durante a estadia, procurei menções ou homenagens materiais à essa parte da história litorânea – um memorial tátil talvez. No entanto, encontrei apenas um restrito acervo digital de reportagens, artigos e saudosismos da época. Ainda que limitado, merece ser esclarecido.

Uma das matérias, de uma revista de turismo, afirmava que o golfinho brasileiro Flipper – batizado assim por causa do famoso e extinto seriado de televisão da década de 1960 – foi capturado e adestrado para entreter o público com saltos e piruetas, e virou o mascote de toda uma geração que, “mergulhada na inocência da juventude, mal sabia sobre as acusações de maus-tratos das quais o equipamento era alvo”.

Nunca achei justo julgar a relação que treinadores e tratadores desenvolvem com esses animais. Mas chamar o lugar que abriga um ser vivo de “equipamento” já justifica metade das alegações.

Lixo e cloro

A realidade é que, em 1991, quando a justiça determinou a reabilitação e soltura do golfinho com base na primeira lei de proteção animal do país (nº 24.645, de 1934) e o ex-treinador e hoje ativista Richard O’Barry chegou ao Brasil para coordenar o processo, o tanque de 12 metros de largura onde Flipper era mantido estava com o filtro de água quebrado.

Flipper e O’Barry

No fundo dele, havia uma crosta de fezes acumuladas, roupas, latas e outros dejetos. Para disfarçar a sujeira e o cheiro, era usada uma quantidade enorme de cloro. Por conta disso, Flipper praticamente não abria os olhos.

Além disso, sua pele estava com queimaduras de sol, por ficar longas horas na superfície do tanque, à espera de companhia. A falta de cobertura fazia com que a água chegasse a temperaturas de 30 graus centígrados durante o dia.

Verdade x Pós-verdade

Portanto, se um dia tentarem te convencer de que o Flipper brasileiro foi o herói de uma geração inocente e injustiçada, saiba que o único inocente e injustiçado da história contada foi ele.

*Com informações e imagens de @arcabrasil.

Leia também:
Podemos entrar em casas para salvar pets maltratados?
A elefanta que salvou vidas no maior incêndio do Brasil
Livro ajuda a lidar com o luto pelo animal de estimação
A triste vida da orca que nadou com o Príncipe Charles

Escrito por Carol Zerbato

Escritora, publicitária e ativista pelos direitos dos animais, Carol Zerbato já foi locutora e repórter; trabalhou com comunicação corporativa e assessoria de imprensa; e atuou como redatora e revisora. Foi uma das embaixadoras da campanha contra a Leishmaniose Canina e é uma das madrinhas do Santuário de Elefantes Brasil. É autora do livro Ativismo Consciente: A importância da Inteligência Emocional na Causa Animal, criadora da Cachorra Carol, palestrante e mãe de três filhos: Rachel, a mais velha, uma labralata; Deloris, a do meio, uma gata vira-lata; e Ben, o caçula, um humano.

Leave a Reply