Meu finado avô materno amava passarinhos.
E queria, a todo custo, transferir a maneira dele de amá-los para mim.
Quando criança, ele me presenteava com canários na gaiola. Morria um, ele me dava outro. E assim foi até o dia em que ele partiu.
Eu tinha uma leve consciência de que era errado, mas não tinha substrato para debater – tampouco coragem para recusar o presente que, na convicção dele, era um ser vivo amado e bem cuidado. Como se tivéssemos o direito de decidir que ficar preso é o melhor para quem nasceu para voar. Mas não tínhamos. Não temos. E nunca vamos ter.
Passarinho Não é Pet
Em fevereiro deste ano, em uma decisão histórica, a Índia proibiu o encarceramento de pássaros em gaiolas. Manmohan Singh, juiz responsável pela proibição, defendeu:
“Tenho claro em minha mente que todos os pássaros têm os direitos fundamentais de voar nos céus e que os seres humanos não têm o direito de mantê-los presos em gaiolas para satisfazer os seus propósitos egoístas ou o que quer que seja. Eles merecem compaixão. Pássaros têm direitos fundamentais que incluem o direito de viver com dignidade e não podem ser submetidos à crueldade por ninguém.”
Diferente da época do meu avô, hoje, já temos acesso à informação e a recursos suficientes para transformar um hábito egoísta em uma nova consciência.
Um projeto em Treviso, no Sul de Santa Catarina, por exemplo, transforma gaiolas apreendidas durante as operações da Polícia Ambiental local contra a caça ilegal de aves em objetos de decoração. Depois de customizadas, as gaiolas são doadas para o comércio da região, a fim de conscientizar a população contra o encarceramento e a favor da preservação dos pássaros na natureza.
“A proposta é ampliar ainda mais a consciência para as pessoas entenderem que o lugar de aves silvestres não é dentro de uma gaiola”, explicou um dos envolvidos no projeto.
Claro que meu avô, assim como tantas outras pessoas que conheci que mantinham o mesmo hábito de criar passarinhos como animais de estimação, não entendiam que o que acreditavam ser cuidado era, na verdade, crueldade.
No entanto, agora, já temos meios para compreender e disseminar que a liberdade é óbvia.
E que a maneira mais completa de amarmos alguém é deixá-lo ser quem é.
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